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sexta-feira, 29 de janeiro de 2010
True Blood
(Na versão portuguesa "Sangue Fresco", em exibição na RTP1)
Qual é o problema desta série? Um dos problemas, reparo agora, é por onde começar a enumerar os problemas, que não são poucos.
Comecemos pelo mais imediato. A princípio (digo primeira temporada) dá a sensação de que os autores não sabem se querem fazer uma série de vampiros ou uma série dramática sobre os usos e mentalidades do sul dos Estados Unidos. Atenção, nada tenho contra séries dramáticas, antes pelo contrário. Tenho tudo contra misturas mal feitas. E esta mistura não podia ter saído pior. Pergunto-me mesmo se, depois de cada episódio, os autores não faziam uma sondagem às preferências dos espectadores e lá iam "navegando" a série à mercê das audiências.
O que não era preciso. A série tem excelentes pernas para andar: depois da descoberta científica de um produto substituto do sangue humano, os vampiros já podem "sair do armário" e reivindicar os seus "direitos". Depois de séculos nas sombras, decidem finalmente viver integrados em sociedade. É muito gay mas é mesmo assim.
A ideia é original e ousada. Não era preciso mais nada. Não era preciso, por exemplo, misturá-la com os dramas de uma mãe alcoólica e ultra-evangélica que negligencia a filha. Isso é outro argumento. No máximo, a questão seria abordada, sem nunca perder de vista o coluna vertebral da história "principal". A certa altura, pelo contrário, a série já nem tem coluna vertebral, de tão (mal) fragmentada.
Volto a insistir que nada tenho contra séries dramáticas. Veja-se o caso de Anne Rice, que tão bem faz nos seus livros o casamento entre os vampiros e a mesmíssima cultura do sul dos Estados Unidos. (Olha a série a perder originalidade... e pontos!) Para quem tem preguiça de ler os livros, o filme "Entrevista com um vampiro" exemplifica muito bem do que falo. Os livros fazem-no ainda melhor, prova de que a mistura pode ser feita... se bem feita. "True Blood" faz mal.
A par destas duas linhas directoras, vampiros + drama, surge a terceira, vampiros + drama + soft porno. Se calhar nem é tanto a questão de os vampiros terem apetite sexual o que me desgosta (por repulsiva que me seja a ideia de um vampiro a fazer sexo, não se a subtileza do vampiro romântico, desde os tempos de Lord Ruthven, em "The Vampyre" de Jonh Polidori, é exactamente a metáfora do desejo, metáfora que "True Blood" transforma em minha opinião em blasfémia -- por pouco que a minha opinião valha), mas o facto de não se perder nenhuma oportunidade de meter toda a gente a fazer sexo. Pretos com brancos, brancos com brancos, pretos com pretos, vampiros com mulheres, vampiros com homens, vampiros com vampiros, e só falta alguém fazê-lo com o cão. Sim, precisamente esse cão, em forma de cão. Olha o que se poupa em downloads porno!
Entretanto estávamos a falar de quê, que já me esqueci? Ah, sim, a série de vampiros. Pois a série de vampiros, no meio de toda esta fodenguice, torna-se um bocado difícil de acompanhar. Pergunto-me mesmo se existe...
Concedo que existem boas cenas (de vampiros, esclareça-se), e uma das notas positivas vai para o vampiro Eric Northman, um vampiro sueco e medieval, que assim que aparece na série lhe dá logo uma inesperada pica (falo de adrenalina):
Isto sim, é um senhor vampiro, antigo e ameaçador, envolto nas sombras do bar Fangtasia, que nos arrepia a espinha por muitas razões. Aqui está a metáfora, um digno representante de Lord Ruthven, de Drácula, de Lestat, de todos os vampiros perigosos e sedutores de que se possam lembrar na história da literatura e do cinema. Nem quando aparece a pintar o cabelo perde o carisma. Afinal, quem disse que um vampiro não pode ser vaidoso? Infelizmente, tinham de estragar, e na segunda temporada põem o senhor da fotografia vestido de fato de treino, a fazer compras num supermercado. Já tem o cabelo curto, e para compor o ramalhete só falta estar também oleoso. Um cachecol do Benfica ao pescoço e tornar-se-ia um digno candidato para as recentes séries portuguesas. "Liedson, marca-me essa merda ou chupo-te o sangue todo, caralho!", podia ser uma das suas falas. (O quê, Liedson não é do Benfica? Então mudem o cachecol.)
Fica o desgosto, e a fotografia para lembrar a primeira temporada.
Voltando a "True Blood", que é difícil dada a dispersão em que a própria série se perde, tanta que como disse a princípio se torna difícil (e maçudo) apontar-lhe os defeitos todos, não contentes com esta mistura intragável os autores ainda decidiram juntar-lhe shape shifters, deusas gregas, e o diabo a sete, porque sabe-se lá mais o que pode aparecer. Sim, porque entretanto o próprio shape shifter já "avisou" os espectadores de que não é um lobisomem, porque "os lobisomens são uma coisa completamente diferente". Boa. E uns zombies também, porque não? Falando em seres sobrenaturais, a série tornou-se tão sem pés nem cabeça que mais valia dar-lhe o tiro de misericórdia. Na minha opinião entravam por aquela terra de Bonstemps os irmãos Winchester (sim, esses mesmos, do "Sobrenatural") e matavam à caçadeira aquela bicharada toda: vampiros xungas, deusas gregas de mau feitio, homens-cão... e todos os seres humanos patéticos que por lá pululam. Evangélicos e "Jesus people" à cabeça.
Original in Gotika
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