Nem um mês passado desde o lançamento do último trabalho de Babalith, "Xibalba
Mannequins", o projecto apresenta agora o álbum "Under Cover". Como o nome indica, e não engana, trata-se de uma colecção de versões de temas tão díspares como "Stand By Me" (Ben E. King) ou "Preacher Man" (Fields of The Nephilim).
O Pórtico quis saber mais sobre o projecto e entrevistou Babalith.
Babalith acaba de lançar um álbum de dark ambient, "Xibalba Mannequins". Tendo em conta o curto espaço de tempo entre lançamentos, este álbum de covers era um projecto paralelo, ou anterior, algo que já estava a ser pensado há muito tempo?
O "Xibalba Mannequins" foi composto com uma concentração férrea, durante esse tempo não compus mais nada. O álbum chegou com a febre, numa altura em que estive doente, e após um mês em debilidade, terminei o álbum e terminou a febre. Eu queria algo bastante pesado, mas ainda assim melódico. Para a Sombre Soniks não quis ser demasiado inventivo, no que respeita o experimentalismo, mas, uma vez que é a minha editora de Dark Ambient favorita, oferecer-lhes algo que os honrasse no seu próprio estilo - que obviamente não foge ao meu.Já o "Under Cover" nasce de um espírito muito mais brincalhão. Ainda que possas estranhar, não era um projecto paralelo nem anterior. O "Xibalba Mannequins" estava terminado há algum tempo, durante esse tempo fiquei à espera do lançamento, agendado pela Sombre Soniks para Setembro. Durante esse período não compus, pois sei que se o fizesse ia querer mostrar os temas e isso ia desviar a atenção ao público do lançamento futuro. Todos os temas do "Under Cover" são uma libertação desse tempo de espera e da seriedade que sinto dever à Sombre Soniks; foram, assim, compostos de dia 13 de Setembro até à data improvisada do seu lançamento. O meu objectivo inicial, um pouco insano, era conseguir terminar uma cover por dia, não o tendo cumprido.
Se já o pensava há muito tempo? Não. Nunca me tinha imaginado a fazer covers, no próprio dia em que o imaginei foi quando comecei o "Under Cover". Surgiu em conversa com Aeternum X, de Alma Púrpura e meu colega no projecto Monte 6, em que este falava num plano seu de fazer um álbum de covers de Black Sabbath. Nessa noite decidi compor a "Stand By Me" como brincadeira para uma amiga. A seguir, procurei cantar por cima, mas estragava toda a música, pelo que lhe juntei coros. Como não fiquei satisfeito, decidi fazer outra cover, a partir daí percebi o conceito: um álbum recheado de covers para mostrar ao mundo como a Babalith vê os temas que ouvem todos os dias.
Aqui, mergulhas num ambiente muito diferente do habitual. Muitos temas foram e ainda são autênticos hits pop, rock, alternativo... Quais foram os maiores desafios e/ou prazeres ao fazer estas versões?
Vou-te confessar que um dos prazeres foi atacar os músicos, praticamente todos os temas são sucessos garantidos e eu quis mostrar que a música considerada boa não é assim tão especial e difícil de reproduzir sobre as mais diversas perspectivas. Estas músicas, muitas, são blocos em massa de realidade fixas às pessoas no meio alternativo, e o meu objectivo enquanto Babalith, daí o meu estilo muitas vezes psicadélico, sempre foi atacar a realidade: se há algo por detrás da realidade, esta não era a realidade. Por outro lado, exceptuando o tema dos Beatles, e para me manter também fiel ao conceito que acabei de mencionar, só escolhi temas, ou pelo menos bandas, que me foram bastante importantes em diferentes fases da vida.
Podes explicar-nos, uma a uma, porque escolheste estas canções, tão diferentes entre si como "Stand By Me" e "A Perfect Drug", e o que elas significam para Babalith?
Conheci a "Stand By Me" primeiro pelo filme, quando ele saiu. Eu era ainda criança, apesar da Babalith viver 300 anos de idade do futuro para cá! Estava com os meus pais e os meus irmãos, o filme era alugado. Eu não percebi nada do filme, provavelmente não tinha muita paciência para as legendas, mas percebi também tudo. Sei cada sensação nele, o Sol na pele, os cheiros. A "Stand By Me" imprimiu-me pois uma ideia de conforto e paraíso que me seguiu para o resto da vida, depois, a temática da letra foi sempre tudo aquilo que procurei nos meus relacionamentos mais intensos, e que nunca encontrei - penso que já ninguém se faz a essa medida, mas pode-se ainda cantar.
O "Wicked Game" era um daqueles temas que eu ouvia na rádio, enquanto pré-adolescente, com os fones na cama e as luzes apagadas. Na altura nem sabia quem era o autor e não me interessava muito por isso. Mais tarde conheci a versão dos HIM, na altura da minha primeira paixão mais séria, da minha primeira obsessão. Não, não gosto mais da versão dos HIM nem nunca gostei, nunca ninguém poderá bater a versão do Chris Isaak, que é um músico que hoje em dia respeito imenso no geral e em quase todos os temas. Lembro-me depois, de estar num cybercafé no Porto a beber um Martini enquanto esperava pela, na altura, minha noiva, depois de um longo tempo sem a ver, e do videoclip começar a passar no projector - acompanhado, é claro, pela música. Se a primeira seria o meu paraíso na amizade, a segunda sê-lo-ia no campo da sensualidade.
#1 Crush
Este tema dos Garbage é, ainda que inesperadamente para o meu público, o tema de uma banda que não poderia mesmo faltar. Os Garbage marcaram o meu crescimento enquanto indivíduo com mais força que qualquer outra banda e também foram eles a mostrar-me os primeiros arranjos experimentalistas na música electrónica. A "#1 Crush" em específico poderá até dizer-se que era o que eu sentia directamente pela Shirley Manson. Sabes aquelas idealizações românticas que se têm quando és muito nova? Desenhas todo um mundo à volta disso, e há mais poder e auto-conhecimento nessas primeiras construções do que se tende a reconhecer.
A Perfect Drug
Sem os NIN não existiria Babalith enquanto projecto musical. Se a Babalith tivesse um mestre, esse seria o Trent Reznor. O que escapa a muitas pessoas de ouvido menos apurado, é que por detrás de quase todos os temas de Nine Inch Nails encontra-se das duas uma, ou um tema de Dark Ambient, ou um tema de psicadélico-experimental, encoberto pelo rock industrial. É nesse lado secreto de NIN que Babalith se vai construir enquanto música. O tema "A Perfect Drug" foi escolhido essencialmente porque temia estar a fugir demasiado à minha linha, e o original já era experimental o bastante para eliminar esse medo.
Passive
A "Passive" exprime aquilo que eu sinto por todas as pessoas. Que vivo num mundo que dorme e faz tudo por não acordar. Todas as manifestações de plenitude e de consciência presente que possam vir de alguém não passam de um sonho passageiro, uma débil convulsão durante o sono. Vejo-me como uma alma, e que não existem almas à minha volta, ou melhor, as que existem não habitam as pessoas que lhes dão forma.
Burn
Este é o tema do meu despertar. O filme "O Corvo" foi o meu único ouvinte, um pouco como o Corvo de Poe. A minha primeira paixão quiseram as estrelas que fosse por uma pessoa que a fatalidade levou. Era uma paixão e uma relação secreta por isso eu mantive também a sua morte secreta, até porque ainda não tinha aprendido as palavras certas para fingir que a digo convincentemente. Este tema surge no filme quando o personagem transforma todo o desgosto em fúria e afazer.
More
Este tema dos Sisters of Mercy relaciona-se com a parte mais emocional da quase ideologia que construo em volta da "Passive". Muito raramente, se me perguntarem se estou bem, se estou feliz com a vida, e satisfeito, eu direi que sim - e isso faz parte da minha felicidade. Porque gosto muito de tudo o que posso saborear quero sempre mais, e se não for a fome a ser força numa pessoa, então cautela, porque será fraqueza.
Martha My Dear
"Martha My Dear" foi um pedido de uma fã de Beatles e que é também a minha Irmã Lua. Fiz o tema com todo o gosto para ela. Quanto aos Beatles, são uma banda progressiva e experimental, pioneira, mesmo que eu não goste particularmente de os ouvir.
Parisienne Moonlight
Este é um tema que define também quase toda a forma de me relacionar emocionalmente com o mundo. Há duas formas de eu estar socialmente, uma, e que é aquela maioritária em mim, é a que vê as pessoas quase como material de trabalho. Imagina que sou um agricultor e a minha plantação é o fogo, nas pessoas vejo fogo para trabalhar. Porém, de vez em quando passo por alguém que invoca em mim algo de muito antigo, só me dou com pessoas com que sinto que me dei algures na eternidade. É claro que é muito raro alguém ter a mesma percepção que eu, e acho que o tema aborda esse assunto.
Ice Dance
Bem, a pores-me a responder uma por uma percebo que este álbum é uma descarga emotiva, e eu que gosto de ser filosófica e activista estou a ser desconstruída por ti. O que importa? A "Ice Dance" é para outro dos meus filmes de culto, "Eduardo Mãos de Tesoura" do Tim Burton. Acho o momento do filme que ela descreve um dos momentos mais belos do cinema. O personagem foi feito à minha imagem, sinto ter um dos corações mais puros que conheço e ao mesmo tempo uma das consciências mais aguçadas no que respeita o conhecimento de que todas as mãos são lâminas, e as minhas são-no tanto. De boas intenções está o inferno cheio? Este é para mim um paradoxo teológico, uma maldição do divisor mas, e como o divisor se divide contra si próprio, contra o divisor. Além disso, o Danny Elfman é um génio, suponho que seja mesmo um duende principesco. Este foi o tema mais difícil de reproduzir, e para soar como soa, tem muito mais camadas do que se imagina. Também sinto que é, de todos os temas presentes em "Under Cover", o mais importante para mim, embora não o que tenha saído melhor.
Preacher Man
Vou ser sincero, primeiro tentei a "There Will Your Heart Be Also", depois a "Moonchild", mas como Fields of The Nephilim é a minha banda favorita não consegui, tudo me soava a profanação. Então pensei, Babalith tem um lado de cowboy louca, e que melhor tema para uma cowboy do futuro do que a "Preacher Man" com arranjos de música electrónica? Depois, é uma faixa que, como todas as outras de Fields of The Nephilim, eu gosto muito, mas é mesmo assim das que menos procuro no dia a dia. Por isso, no que toca a Fields of The Nephilim fui cobarde, tenho ainda a desconstruir. Por outro lado fui corajosa, queria um registo mais rockeiro, porque se afasta do que faço no geral, e era um dos propósitos de toda esta experiência aprender um método mais pop/rock.
So Alive
Para mim Love & Rockets, banda com que, por influência do meu tio, cresci desde o berço, - aliás como Sisters of Mercy e Fields of The Nephilim também aqui presentes - significa um só estado de espírito: "So Alive". Era por isso, e porque queria que as pessoas se sentissem bem num bar em que estive na fundação, um dos temas que mais lá passava. A "So Alive" faz-me lembrar diversas coisas, ou a fase em que estava responsável pelo bar, que era o meu próprio espaço, a minha esfera de existência onde os outros entravam para a experimentar, tanto como a alguns momentos inocente e deliciosamente eróticos, como simples viagens de carro a ver a paisagem. Queria que o álbum acabasse com um espírito positivo. Depois há outra coisa, já tinha feito demasiadas covers e não havia espaço para a "This Must Be The Place" dos Talking Heads, assim fiz uma "So Alive" que me lembrasse o mais possível esse tema dos Talking Heads. Os Talking Heads, um pouco como os Love & Rockets, fazem-me lembrar uma facção do movimento a que hoje chamam gótico que se afastou da sombra e conseguiram com uma força espantosa irradiar um Sol ingénuo e delicioso que tudo cura ao bater nos mares da nossa alma. Gosto deste lado, há que se ser anjo em todas as direcções.
Cantara
A "Cantara", que é a música bónus, é a música evocativa de Dead Can Dance, e está aqui para fazer lembrar o lado ritual da Babalith. Também, Dead Can Dance é um projecto que praticamente não usa midis, e eu quis ir contra este elogio que lhe fazem, compondo tudo electronicamente. A electricidade estava cá muito antes dos tambores, é ela que canta as coisas.
"Under Cover" encontra-se disponível para audição e para download mediante a funcionalidade "name your price", incluindo neste caso a bonus track "Cantara" (Dead Can Dance), aqui:
O Pórtico agradece a disponibilidade com que a Babalith se deixou "desconstruir" nesta entrevista.
Sem comentários:
Enviar um comentário